A PALAVRA DE DEUS E A NOSSA REALIDADE
P. Flaviano Amatulli Valente fmap
A PALAVRA DE DEUS
Principal fonte de inspiração
Para nós, cristãos, a nossa fonte de inspiração tem de ser a Palavra de Deus, a Bíblia, o nosso texto sagrado por excelência. Depois, vem tudo o resto.
A Bíblia tem de ser para nós como uma janela aberta, a partir da qual podemos contemplar em toda a sua riqueza o plano de salvação, traçado por Deus desde toda a eternidade; um espelho onde podemos ver até que ponto estamos a viver de acordo com este plano (cf. Tg 1, 23-24) e, ao mesmo tempo, como um trampolim para nos lançar ao amor misericordioso do nosso Pai Celeste.
Linguagem simples
Tudo isto é apresentado na Bíblia não como um tratado de filosofia ou teologia, reservado exclusivamente para gente culta, mas em linguagem extremamente compreensível, que todos possam facilmente compreender, por meio de frases simples, comparações, exemplos concretos ou histórias da vida diária do povo como os pastores e pescadores. E, aqui, faço uma pergunta. O que acontecerá no dia em que toda aquela gente simples tiver a oportunidade de se aproximar mais da Palavra de Deus? Estou convencido que passarão à nossa frente no conhecimento “sapiencial” de Deus e no seguimento de seu Filho amado, Jesus, o Salvador do mundo.
Reino de Deus
Bem, no fundo, o que é que nos apresenta a Palavra de Deus? O Reino de Deus. E o que é o Reino de Deus? O mundo como Deus o quer, o mundo à maneira de Deus, no qual Deus ocupa o primeiro lugar; a seguir vem o ser humano, rei da criação, e, depois, tudo o mais.
Um mundo sem confusão, onde cada um ocupe o seu lugar e saiba relacionar-se corretamente com Deus, consigo mesmo, com todos os seres humanos, com os animais, as plantas, toda a terra e o universo inteiro. Um mundo de solidariedade e fraternidade universal, sem guerras, nem ódios, nem rancores; um mundo de paz, no qual se respire respeito e amor mútuo; um mundo de harmonia, onde cada um esteja disposto a oferecer aos outros o melhor de si mesmo e, ao mesmo tempo, esteja disponível para receber dos outros o que precise para uma vida melhor; um mundo em que todos tenham a possibilidade de viver sob o olhar misericordioso do Criador.
Pecado
Foi esta, desde toda a eternidade, a grande utopia de Deus, una utopia que, bem cedo, ficou frustrada pela rebeldia dos nossos primeiros pais, deixando-nos na maior confusão e no maior desamparo. Daí as invejas e as guerras entre irmãos e o desprezo por toda a criação; daí a nossa infelicidade atual.
Conversão
O que fazer, então, para sair desta situação de pecado e entrar, a partir de agora, mesmo que seja de forma parcial e gradual, no plano originário de Deus e tornarmo-nos cidadãos do Reino, com valores, ideais, atitudes e critérios próprios desse Reino?
Mudar de atitude. Quer dizer, de mentalidade, deixando de lado a mentalidade materialista, egoísta e imundo, própria de rebeldes, e aceitando sem condições as exigências do Reino, como verdadeiros filhos amados do mesmo Pai. (cf. Mc 14,15)
Sabedoria divina e sabedoria humana
No fundo, trata-se de escolher entre a sabedoria divina e a sabedoria humana, na maneira de pensar e atuar de Deus que, por um lado, nos leva a restaurar a grande utopia do Reino e, por outro lado, na maneira de pensar e atuar do homem, que cada vez mais nos afunda na rebeldia e na infelicidade (cf. 1Cor 1, 18ss; Tg 3, 13ss; 4, 4). Um grande empenho que incumbe a todo discípulo autêntico de Cristo e cidadão do Reino, que Ele veio instaurar.
A NOSSA REALIDADE
À luz de tudo o que foi dito, a Palavra de Deus convida-nos, a cada um de nós, a realizar uma análise atenta da própria realidade, a todos os níveis, a fim de restaurar o plano originário de Deus.
-A nível pessoal
Procuro viver, guiado pela Palavra de Deus, que me apresenta os autênticos valores do Reino, ou deixo-me seduzir pela sabedoria humana, com todos os seus enredos, (ciladas, propostas, tentações)?
-A nível cultural
No fundo, o que é a cultura? A cultura é a soma das virtudes e defeitos de um povo ou grupo de pessoas, da sua maneira de sentir, de ver a realidade que o rodeia e como se desenvolve nela.
E como nenhum ser humano está isento do contágio do pecado, também toda a cultura, para adequar-se ao plano originário de Deus – sua grande utopia que, mesmo assim, um dia se fará realidade efetiva, pelo menos ao final da história –, precisará de uma purificação.
Atenção, muita atenção: que o tema da cultura não se torne um pretexto para confundir as coisas e seguir com a sabedoria humana, com uma direta rejeição da sabedoria divida, apresentada em toda a Palavra de Deus e de modo particular no Evangelho de Cristo, o mesmo Filho de Deus feito Homem. Não tenhamos medo ao Evangelho, como se o Evangelho estivesse em contra do homem. Que fique muito claro: tudo aquilo que é humano, realmente valioso, encontrará sempre no Evangelho um aliado confiável, nunca um rival, alguém capaz de explicitar todas suas potencialidades focando-se na sua plena afirmação e no seu pleno desenvolvimento.
O que se quer dizer, então, quando se fala de “inculturar o Evangelho”? Simplesmente, quer dizer que há que transmitir e viver o Evangelho nos moldes culturais próprios, de maneira tal que o Evangelho se torne para cada cultura em “carne da própria carne e sangue do próprio sangue”, um mesmo Evangelho com uma cor e um sabor próprios, segundo o sentir de cada povo e cultura.
-A nível eclesial.
E a voz do Evangelho, com relação à situação atual da Igreja?
Por acaso, a Igreja está isenta do contágio do pecado?
No seu aspeto divino, é claro que nada tem a ver com o pecado. Mas, no seu aspeto humano, tem muito que ver com o pecado e a suas consequências.
Na verdade, como em qualquer sociedade meramente humana, também na Igreja pode haver de tudo: privilegiados do sistema e excluídos, gente sincera e bem-intencionada, totalmente entregada ao bem dos irmãos, e gente experta na manipulação e no despojo, sempre prontos para privilegiar a sua autoafirmação aproveitando-se dos outros e à custa dos mais débeis. Portanto, hoje mais do que nunca, ao encontrar-nos numa “mudança de época” (agora, também se fala em “época de mudanças velozes”), a Palavra de Deus questiona-nos e convida-nos a realizar uma análise séria da nossa realidade como Igreja, para ver se estamos a cumprir plenamente o nosso dever ou se estamos a ir (passar) pelos ramos, descuidando o próprio da nossa missão. Não esqueçamos que um dos pontos mais sublinhados pelo Papa Francisco é atualizar, “por ao dia” a Igreja, no tema da “reforma das estruturas”.
Conclusão
Desde o princípio do seu ministério petrino, o Papa Francisco tem estado a repetir que a Igreja católica não é uma ONG, isto é, uma organização não-governamental, dedicada essencialmente à promoção humana e social. Sua missão (tarefa) principal é-lhe confiada pelo mesmo Mestre Divino: Ide e anunciai o Evangelho a toda criatura ( cf Mc 16,15). A partir daí, virá tudo o resto. Trabalhemos, então, todos juntos, ombro com ombro, desde agora e cada um de nós desde o seu lugar (trampolim, sítio), frutos no dom ou carisma recebido por Deus, para tornar realidade os valores do Reino, este mundo novo, à maneira de Deus, que todos desejamos e queremos.